domingo, outubro 28

Memórias...



Tinha eu 9 anos de idade,quando fui a um certo jogo fora de "casa",levado pelo meu pai,um tio e os respectivos filhos..à parte de nós,ia o meu irmão.
Agarramos no carro e lá nos metemos estrada fora,para ir ver o nosso clube jogar.
Era uma romaria como as que só antigamente se conseguia encontrar...era pura festa,familias no futebol,domingo de tarde ensolarada,era aqueles dias e as férias escolares o melhor que me poderiam oferecer.
Aparato policial,sinceramente nem me recordo,não que não existisse,mas na altura não ligava propriamente a gajos de farda azul e estava também extasiado com a maré humana e os sons e cores que por ali abundavam.
Eis que então,começam a chegar alguns autocarros,que vejo de lá saírem bandeiras gigantescas,bandeiras que nunca na vida tinha visto ali tão próximas de mim...eram imponentes..fileiras de jovens a saírem dos autocarros,entoando cânticos com uma força,que parecia que haviam de comer tudo e todos..começaram-se a formar e subitamente,a maré como que se abriu,tudo a "contemplar" aquelas fileiras que se aglomeravam.
Não paravam de se juntar,já não era um grupo..era um exército ali formado,pronto para tudo,a bradarem alto o nome do clube,cânticos referentes à sua identidade enquanto claque,a agitarem aquelas bandeiras...
Lembro-me de ficar de boca aberta a olhar para aquilo,era...impressionante..o meu primo mais novo (sensívelmente da minha idade) pergunta ao meu pai "tio,aqueles senhores estão zangados ? Estão a gritar tanto.." - A resposta do meu pai surpreendeu-me ainda mais : "Não,são os Ultras,uma claque de apoio ao clube" - Fiquei perplexo "Ultras?" era algo novo para mim,nunca tinha ouvido esse termo..Eis que de entre o exército de "Ultras" vislumbro o meu irmão e fiquei ainda mais surpreendido "Ó pai ó pai,o mano foi apanhado pelo rio de pessoas" - O meu pai riu-se e disse - "Não,o mano está ali,porque foi com aqueles amigos que ele veio,ele faz parte da claque" - Foram revelações para mim "Ultras? O meu irmão é duma claque ?".
Eventualmente lá coloquei este assunto de parte,entramos para o estádio,peço uma coca-cola e lá me vou sentar...reparo que a claque estava a entrar para a mesma zona onde estavamos,o meu irmão lá aparece passado uns minutos,cumprimenta os meus primos e o meu tio e diz-me "vá puto,hoje tens de gritar pelo clube,ele precisa de ti,se gritares bem alto,vais ver que te ouvem pedir a vitória e alcançam-na por ti" - Foram palavras que inconscientemente me foram ficando guardadas - e lá seguiu novamente para o meio do ajuntamento.
Com o apito inicial,veio o barulho infernal,não se calavam um instante,sempre com cânticos incessantes,com tambor..pensei "Parece que se parassem de cantar,que o coração deles parava de bater",o meu primo mais novo volta a perguntar,desta feita ao seu pai - "ó pai,mas eles nunca se calam?" - "Raramente" replicou o meu tio e de facto,raramente o fizeram...aliás,o meu irmão volta e meia lá passava para dizer algo ao meu pai e ele próprio me disse quando lhe repeti essa pergunta "Calamo-nos só um bocadinho,para recuperar fôlego...vá canta também" e lá ia novamente para a balbúrdia instalada..
Com o aproximar do fim do jogo e com aquele resultado tão odiado por todos (um empate a zero),o desespero assolava maioria dos adeptos,maioria?Bom,o raio dos "ultras" parece que não se apercebiam que era fundamental ganharmos,"será que são masoquistas?Que são parvos?Que não sabem ver que o marcador tá em branco?",pensava eu,é que eles continuavam a cantar como se fosse uma festa,como se tivessemos a golear,continuavam a apoiar,apesar de ser nítido que alguns em campo já só corriam quando a câmera de tv os focava..O meu irmão volta a passar e quando interrogado por mim,responde : "É a paixão puto,a loucura,se nós nos rendermos,então aí é que aqueles no relvado baixam os braços,lutamos mais por eles,que eles por nós".
Comecei a deixar-me apossar pelo nervosismo..e num lance,por instantes a claque silenciou-se,tudo expectante e de olhos no relvado...alguém,decide lançar o nome do clube como mote para um "cântico de guerra" e alastrou-se pela bancada,eu e os meus primos não fomos excepção,berrámos a pulmões abertos o seu nome,parecia que agora todos nós tinhamos de o fazer para o coração bater...a adrenalina daqueles instantes,fez-me sentir...poderoso,parte de algo,capaz de alterar algo,de ajudar a modificar a situação,de extravasar aquela ansiedade e raiva acumulada..e eis que surge o grito mais ansiado por todos nós "GOLOOOOOOO",o alívio,a festa,as vozes incessantes a cantarem o nome do clube.
Naquele dia,quando cheguei a casa,vendo o meu irmão,com a voz já meio trémula,perguntei : "mano,deixas-me fazer parte da tua claque?" - ele sorriu e apenas disse "daqui a uns anos puto,só mais uns anitos...."...

3 comentários:

Tio Berto disse...

e nunca mais nada será igual...é impossível alguem agora entender as diferenças, e ainda vêm falar em mudança geracional nos grupos?!?!

parabéns e "porreiro pá".

Garcia Chico disse...

"lutamos mais por eles,que eles por nós". Grande msm passei ca por acaso mas valeu a pena

Garcia Chico disse...

"lutamos mais por eles,que eles por nós". Grande msm passei ca por acaso mas valeu a pena