terça-feira, outubro 16

"Ó avô, o que é um Ultra??"



O que é um Ultra?Esta é uma questão que muita gente que está do "lado de fora" do panorama ultra,costuma fazer aos de "dentro",tal como já algumas pessoas me perguntaram.De facto,os Ultras são um fénomeno social de tanta amplitude que não poucas vezes,lá surgem os meios de comunicação a falar neles ou sobre eles.
Hoje em dia,identificam os Ultras facilmente,como sendo todos os integrantes a uma claque de um qualquuer clube desportivo,alguns pela sua idumentária...menos mal,antigamente bastava alguém tar num estádio ou passar ao lado dele e pra eles já era Ultra.
Mas isto de indumentária Ultra, o que é?Isso existe sequer?Bem,para se saber o melhor é estabelecer-se a diferença entre Ultra e Casual...já aqui deixei num post,a origem da definição de "Casual",resta agora abordar o que é um Ultra e tentar diferenciar este conceito de Casual (ou não).
Pois bem,imensa gente tem uma noção do que é ser Ultra,alguns escrevem livros a relatar isso,outros publicam textos em sites,outros simplesmente "espalham a palavra"...em imensos sítios encontram-se definições de Ultra,bem como várias interpretações do que deve ser um Ultra.
Vejamos primeiro a palavra em si : "Ultra,do Lat. ultra : pref. de origem latina que exprime a noção de excesso, de passagem para além de um limite.",por aqui vê-se que Ultra envolverá sempre algo "excessivo",um "descontrolo".
No que consiste este descontrolo ? Bem,essencialmente em duas formas : a forma de sentir um clube e a forma de apoiar (aqui,tanto pelo excesso de apoio,se é que tal existe,como pela violência empregue).A violência aliás,depreende-se logo pela palavra,e na origem dos Ultras (mesmo com o propósito com que adoptaram tal palavra para caracterizar um certo tipo de Tifosi),a violência é provavelmente o elemento mais forte,que leva a que se opte pela palavra Ultra,sempre esteve associada,daí que a titulo pessoal,para mim,falar-se em Ultras Contra A Violência,é como falar-se em Produtores Vinícolas Contra O Vinho...não faz sentido sequer.
Porém é algo redundante limitar-mos o conceito de Ultras a esta definição gramatical e associação a um "extremo violento"(como disse,muitas opiniões sobre este tema existem,imensas divergem,isto porque não existe um conceito ciêntifico,ou seja,um conceito estabelecido,é tudo discutível e é sempre um conceito variável).

A minha ideia,aquilo que penso e sinto,que seja um Ultra,é que um Ultra,é um adepto de futebol fervoroso (ou hóquei,ou basket,visto hoje em dia,existirem muitos grupos dedicados ao apoio dessas modalidades),um fanático,alguém apaixonado pelo clube,alguém que apoia o clube incondicionalmente,que sente na pele as derrotas,que extravasa alegria com as suas conquistas,que sente preocupações pelo clube,como quem as sente por um familiar ou pelo seu trabalho em risco,alguém que acompanha o clube religiosamente.
Um Ultra,sente-se parte do clube,o clube é parte da sua forma de estar e ser,isto porque mexe muito com o nosso orgulho,honra,dignidade,lealdade,liberdade,ou seja,o clube é mais que um clube,é parte da sua identidade,é uma paixão louca,não é racional obviamente,nem peçam a um Ultra ou outro qualquer adepto fervoroso que racionalizem sobre a forma de sentirem o seu clube,porque as paixões nunca são lógicas,racionais...sentem-se,se fossem racionais,talvez evitássemos apaixonar-nos pelas pessoas erradas por vezes,mas não...a natureza humana é assim,há coisas que não dá para explicar e as que se sentem,são sempre as mais complexas.
Um Ultra defende as suas cores como um bom patriota defende o seu território,aquele senso patriótico que maioria de nós (felizmente,pena é não sermos mesmo todos) sente,também existe em relação a um clube no que toca aos Ultras,o clube representa a nossa cidade,o nosso ideal desportivo e social,o clube representa o povo e o povo somos todos nós,é daqui que parte muito o orgulho que um Ultra sente em relação ao seu clube,é por aqui que se justifica o exercício à violência.Um Ultra não escolhe ser violento,pode ser até uma pessoa pacífica,altamente pacata,porém,se tivermos de defender um amigo,um familiar,a nossa casa,o nosso país...aí o recurso à violência é quase inevitável,trata-se de defender o que é nosso,impedir que manchem e desonrem a nossa pessoa...nos Ultras,passa-se um pouco o mesmo,é defender o território (cidade ou cores,visto que muitos Ultras apoiam clubes que por vezes não são das suas respectivas cidades,daí dizer que eles representam igualmente ideais desportivos e sociais e não só o território) a que pertencem,é defender as suas convicções perante tudo e todos.
O confronto físico justifica-se muito por aqui,é um duelo de gente orgulhosa,disposta a defender os seus ideais e valores até às ultimas consequências..Em Inglaterra as ditas "Firms" combinam entre si muitas vezes esses combates,algo que a meu ver afasta-se desde logo dos Ultras,o facto de se combinar algo,pressupõe a existência de contactos,de convivência mínima com rivais,adversários,inimigos,pressupõe um planear de acções...Um Ultra não se relaciona com os seus mais aguerridos rivais,nem minimamente (como os ultras da juve e do hellas verona costumam dizer "Odiamo Tutti").Existem amizades porém,aqui já se abre uma discussão extensa,sobre se é correcto ou não,uns defendem a existência dessas amizades entre determinados grupos,outros (eu por exemplo) defendem que a amizade entre um membro do Grupo X com membros do Grupo Y ou do Grupo K ou Grupo F,é normal,tratam-se de amizades do dia a dia,todos nós temos amigos e muitos têm clubes diferentes do nosso e alguns podem até estar inseridos em claques rivais da nossa,não podemos confundir aí sim a rivalidade futebolística com a amizade que temos para com aquela pessoa,o respeito existente que transcede os grupos e os clubes,já amizades entre grupos,pressupõe uma certa admiração e outro tipo de questões,não sou muito apologista,isto apesar de apreciar grupos estrangeiros,porém criar laços de ligação Grupo entre Grupo...é diferente,não me encaixa lá muito bem,mas respeito quem o faça,cada um tem a sua interpretação.
Já abordei as características mais essencias do que é ser Ultra,porque Ultra não poderia ser só alguém que está inserido num grupo e canta e arma coreografias numa curva,quer dizer,vêmos imensa gente inserida lá e não é Ultra,as escolas de samba brasucas também armam coreografias e não são Ultras...Tal como Ultra não poderia limitar-se ao conceito teórico que explicitei,porque pelo excesso,aliás,paixão (é o que melhor descreve) que descrevi,podiamos estar a falar de muitos outros adeptos fervorosos que possuem esta paixão (existem,poucos mas existem) e estar a inseri-los no contexto Ultra.
Daí que Ultra é o misto da paixão e o corpo presente na curva,a apoiar através duma certa forma (bandeiras,estandartes,faixas,tochas,cânticos).
Um Ultra é alguém que se sacrifica imenso,é capaz de inventar uma doença tropical qualquer ao patrão,ficar até no fim do mês sem esse dia pago (se tiver de ser...aguenta-se) só para ir ver o seu clube jogar logo à noite..é capaz de faltar ao casamento do irmão,porque o seu clube joga em Amesterdão nesse dia (mero exemplo),é capaz (não é agradável,protesta-se,mas por vezes,temos de engolir algumas merdas) de largar 350 euros por um bilhete duma final europeia (há quem até chege a dar 100 euros por bilhete para a final da taça..porque aconteceu isto ou aquilo e a certa altura,ou é isso,ou não vê),é capaz de correr meia cidade atrás da claque rival (invadiram o seu espaço,proferem cânticos contra eles,querem o quê?bolinhos de mel?),é capaz de passar uma noite em branco,porque por algum motivo era totalmente impossivel ir ao jogo,colado à TV para ver os instantes finais do jogo...isto entre muitas coisas.
Aliado a isto,surge a UNIÃO que caracteriza os verdadeiros grupos,os mais fortes,gente desconhecida em torno duma causa comum,uma amizade que começa do zero muitas vezes e cresce para uma irmandade incontestável,uma lealdade imensurável...surge o culto pelo símbolo que envergam,um escudo pelo qual derramam lágrimas,sangue e suor,é o seu BI quase,é o rosto da sua convicção.
Isto,é um Ultra.

Costumamos distinguir Ultras de Casuais,deixo só a nota,de que maioria dos ditos Casuais,passou por algum grupo Ultra,posiciona-se junto a eles e sente igualmente a tal paixão,têm amizade entre si (cá está um grupo),só que o símbolo,escudo que defendem,é o da Lacoste,Fred Perry,D&G,Tommy Hilfiger...isto a meu ver...não tou a criticar ninguém,mas se virmos bem,é esse o escudo...o Casual distingue-se essencialmente pela indumentária,têm uma farda quase estabelecida,quando nos primórdios,o objectivo era adoptar essa indumentária para passar despercebido da imagem do skinhead hooligan (daí vem o termo casual),hoje em dia...passar despercebido é quase impossivel.
Aliás,um Ultra,podemos identifica-lo facilmente por ser parte dum grupo ou por estar a portar algum elemento que referencie o grupo ou o facto de ser ultra,porém,imensos não usam nenhuma insígnia do seu grupo ao peito,nem uma peça de roupa que refira o seu grupo,o seu clube...podem até não levar o caxecol consigo (pouco provável) ou este simplesmente não estar visível...um individuo que use uns sapatos de vela da Rockport,umas calças de ganga,uma camisa da Gant (mero exemplo),é o que ?Provavelmente presumiriamos que não era nada "não tem roupa estilo casual,nem tá com nada de grupos,nem tem pinta de Ultra...é só um beto boneco"..e vai na volta é integrante do núcleo dum grupo Ultra qualquer,já o individuo com ténis da Lacoste,calças de ganga Pepe Jeans,um polo da Tommy Hilfiger e um bomber da Lonsdale e um chapéu de padrão axadrezado da Burberry...parece-me a mim demasiado óbvio para passar despercebido,logo,o conceito inicial de passar despercebido,hoje em dia,já não existe..resume-se a um apreço pelas ditas roupas,não critico,cada um usa o que entende,e muitos de nós usam as suas roupas de umas ou outras marcas...mas isto,só para referir que actualmente,o que distingue um Ultra e um Casual,é uma mera questão estilística.Porque a dedicação existe,a paixão está lá,a paixão de um Ultra (sem o ser em termos práticos,de ser integrante dum grupo assumidamente Ultra).

É isto um Ultra,é esta a sua paixão,ou como diria a Amália : "Estranha forma de amar"

Sem comentários: